Uma Paixão Antiga...

Achei linda essa história! Ela foi publicada no site da Revista Época e pode ser lida na íntegra através do link:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI178503-15228,00-UMA+PAIXAO+ANTIGA.html

José Pedro, de 84 anos, e dona Nhanhá, de 91, sobem ao altar. Com a bênção da mãe do noivo, de 104

Quando ouviu do padre a pergunta que costuma dar um friozinho na barriga de toda noiva, Laudelina Isabela quase fraquejou. De seus lábios enrugados, finalmente saiu a resposta que todos na igreja aguardavam: “Aceito”. Dona Nhanhá não é uma noiva comum. Ela tem 91 anos, filhos, netos, bisnetos e até um trineto. O noivo, José Pedro Henrique Paiva, tem 84 anos. Ele foi levado ao altar pela mãe, dona Sá Vita, de 104 anos. “Entro com o Zé Pedro na igreja mesmo que seja carregada”, dizia a mãe centenária. O casamento, no dia 25 de setembro, parou a pequena Senhora de Oliveira, município mineiro de apenas 6 mil habitantes, a 180 quilômetros de Belo Horizonte.

A inesperada idade dos noivos não é o único detalhe a chamar a atenção na história do casal. Além de trocar alianças numa fase da vida em que pouca gente faz planos para o futuro, os noivos são primos. Eles se conhecem desde a infância. Cresceram juntos, mas cada um tomou seu rumo. Laudelina foi morar na capital mineira com o primeiro marido. Ficou viúva em 1999. Zé Pedro continuou na cidadezinha e, no ano passado, depois de mais de 60 anos de casado, também ficou viúvo. Os dois afirmam que a solidão pesou no momento de aceitar construir uma vida nova. Mas a paixão também teve seu papel no enlace: “O que manda é o amor! Gosto demais do Zé”, diz a noiva.

Desde que perdeu o marido, Nhanhá passou a frequentar mais a casa de dona Sá Vita, sua tia e agora sogra. Ela saía de Belo Horizonte e ficava pelo menos 15 dias do mês em Senhora de Oliveira. No começo de julho, seu Zé Pedro tomou uma decisão. “Vou até BH buscar a Nhanhá para mim”, disse à mãe. Dona Sá Vita não aceitou que os dois apenas morassem juntos. Tinham de se casar. A irmã de seu Zé Pedro serviu de cupido. Benedita de Paiva, de 62 anos, comunicou a Nhanhá o interesse do rapaz. “Ninguém vai me levar. Eu não sou mercadoria. Casar, eu posso até pensar”, teria dito à futura cunhada. Ele não pestanejou. Disse que aceitava casar e ainda aceitou as condições da pretendente, que não consegue mais cozinhar para muitas pessoas nem limpar a casa. “Não tem o menor problema”, afirmou Zé Pedro. “A Mariazinha também não estava dando conta de quase nada”, disse, referindo-se à falecida.

O namoro começou. De início, só beijo no rosto e andar de mãos dadas. Quando ela voltava para Belo Horizonte, depois de um tempo por lá, seu Zé não conseguia esconder o sofrimento. “Não vou aguentar de saudade da Nhanhá”, dizia à mãe. Segundo a irmã de Zé Pedro, eles pareciam um casalzinho de adolescentes. Dois meses depois, estavam no altar. Da outra vez em que se casou, Zé Pedro também esperou pouco. Só três meses. “Não perco tempo”, diz o noivo. Dona Nhanhá não acha que foi “fácil” demais aceitando se casar tão rapidamente. “Com 91 anos, eu vou esperar o quê?”

Foram conversar com o padre e marcaram o casamento para o dia 25 de setembro, às 11 horas, na Igreja Nossa Senhora de Oliveira. O mesmo cenário em que ambos se casaram pela primeira vez. A noiva passou duas horas se arrumando no salão. Fez unha, cabelo e maquiagem. Entrou na igreja acompanhada por dois filhos, de vestido azul rendado. O noivo, de paletó cinza-escuro, gravata prateada e lenço combinando, lembrava o ator de cinema Paul Newman. Terminada a celebração, o padre comunicou: “Pode beijar a noiva”. Os convidados aplaudiam, alguns até gritavam. Só a noiva não ficou muito satisfeita. “Foi um beijinho mixuruca. O Zé não gosta de beijo. Só de abraço.” Ela não esconde a preferência: “Gosto de beijo”.

A festa, para mais de 600 convidados, foi a maior da história da cidade. “Nunca teve e nunca mais vai ter uma festa igual por aqui”, diz dona Sá Vita, com a autoridade de quem assistiu aos casamentos de Senhora de Oliveira nas últimas nove décadas. Mais que os noivos, ela foi a atração principal do acontecimento. “As pessoas não paravam de me abraçar e beijar”, afirma. Até que perdeu a paciência com tamanha paparicação. “Eu disse: ‘Chega!’.” Mas ficou até o fim da festa.

Depois de dez dias juntos, o casal continua num mar de rosas. “Ele é muito carinhoso”, diz Nhanhá. “Ainda não vi defeito nenhum.” Ele também ressalta as qualidades da mocinha – “Ela é divertida, católica e muito obediente” –, com ênfase na terceira, que parece ser fundamental para a manutenção de uma boa relação com o octogenário. A renda do casal soma a aposentadoria dela, de um salário mínimo, e a dele, de dois. Zé Pedro diz que já foi carpinteiro, pedreiro, marceneiro e tem ferramentas para consertar qualquer coisa. “Faço tudo. Só não tenho dinheiro”, diz. Mas se orgulha de ter uma filha médica, que mora em Coronel Fabriciano, a 80 quilômetros de Senhora de Oliveira. Somadas as proles de ambos, são 91 pessoas, entre filhos, netos, bisnetos e trinetos.

Com tanta gente para dar palpite, o casamento correu o risco de não acontecer. No início, dois dos filhos do noivo ficaram preocupados com o que poderia ser entendido como desrespeito à memória da mãe. Depois concordaram. A família de Nhanhá aceitou de imediato. Seu Zé Pedro já era conhecido e foi considerado um bom partido.

Os netos de Zé Pedro são os que mais se divertem com a situação e a efêmera fama do avô. As piadas na escola não param de surgir. “Lua de mel de Nhanhá e Zé Pedro. Qual o nome do filme? Missão impossível”, diz Diógenes de Oliveira, de 15 anos. Mas ver a felicidade do casal deixa os netos satisfeitos. “A alegria do meu avô é enorme. Ele estava muito sozinho”, diz Juliana Paiva, de 17 anos. Uma lua de mel em uma pousada da região foi oferecida ao casal por um dos filhos de Nhanhá. Seu Zé Pedro vetou. “Lua de mel pra quê? Nem abelha tem mais!” Nhanhá ganhou muitos presentes, mas o melhor deles foi o da sogra: “O Zé foi meu maior presente”, diz.

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